June 26, 2013

EntreTanto



[Se a vida nos pede uma canção, brindemos-lhe com um álbum inteiro!]

Calçou uma meia preta e outra azul e saiu, sem rumo. Por uma vez na vida, Rosa quis saber o que era partir sem direcção, sem saber onde fica o Norte, o céu, ou o Sul. Esquecer-se que a vida fez de si um conjunto de regras meticulosamente planeadas e fazer da vida o que a vida quisesse dela fazer.
Olhou-se ao espelho: boina torta, bota suja. “Perfeito!”, pensou, “Hoje durmo no chão. Vamos lá ver se a coluna sempre aprende a posição!”. E saiu, de coração na mão e alma ao vento. Sem destino. Porque ninguém sabe onde mora a sorte.

Descendo à avenida, lá estava o senhor João. Todas as tardes fazia o mesmo: ia para a Infante Santo vestido de gala e chamava táxis já tomados. “Eu já não quero ir a lado nenhum, Menina. Por isso vou chamando só os que sei que não me levam.”, confessou-lhe um dia, a sair da tasca lá da rua, mais bebido do que a conta (e sem a querer pagar. Porque “isto não é conta que se apresente a um homem com o coração onde a dor roça a loucura”). Nesse dia, ele disse-lhe: “Oh Menina Rosa, escreva o que lhe vou dizer, que isto até rima. Fazer desenhos de castelos no ar é tão inútil como querer lá morar. Escreva o que lhe digo...”

Rosa passou por ele, sorriu, e continuou. Passando a paragem, recordou-se de como tudo começou. “Modernices”, dizia a dona Joaquina, sempre que a via ali sentada, à espera do 720, a sorrir para um ecran. Lembrou-se do primeiro encontro, dos assobios que fingiu não ouvir e do olhar mais demorado que nunca mostrou sentir. Do primeiro beijo, roubado, algures entre o Chiado e o Bairro Alto. Recordou o momento em que descobriu que, afinal, o amor não anda às ordens de ninguém, que a paixão não é segura e em que, cedendo, se deu. Lembrou  o dia em que descobriu que estar cego ao que se sente é um mal que acaba mal e em que, quase em desespero,lhe confessou “Se o Amor me prendeu, que culpa tenho eu de querer-te desta maneira?”.

Andou dois quarteirões... e voltou para casa. Pelo mesmo caminho, ao mesmo ritmo, com passos rigorosamente intervalados em tempo e espaço. À sua maneira.

A mensagem seguiu para ele por telefone: “entre o mal com que se conta e o bem que não se defende, há um nós que ninguém entende.” Ele respondeu rapidamente: “Coração, olha... o que queres que leve para o jantar?”. Ela sorriu e apressou o passo. Lembrou a reacção espontânea da melhor amiga quando Rosa lhe falou dele: “Narciso?? Qual é a probabilidade do homem da tua vida também ter nome de flor?”. Foi então que decidiu: “se for menina... vai chamar-se Margarida!”.

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