Foto em: http://portakalkurdu.tumblr.com/post/52647770024 |
Desenhou-a como quis: primeiro ruiva, depois morena. Deu-lhe
uns olhos estreitos e pintou-os de
castanho, mas pôs-lhe sardas e deu-lhe um sorriso com covinhas, para lhe dar
alguma graça. Não a fez alta nem baixa, nem magra nem gorda, nem feia nem
bonita. Em podendo, sempre escolhera para si a normalidade do mediano, no medo
constante que o que é raro e extraordinário lhe quisesse fugir.
Depois, escolheu uma letra, e escreveu-a, em jeito de
brincadeira: simples, segura, sincera, Sara. Sportinguista, tal como ele.
Gostava de cães mas não suportava gatos, ouvia Sting e Shostakovich e não
perdia um bom documentário sobre o 11 de Setembro. Andava à chuva se preciso
fosse, mas era em casa, sentada à lareira, que gostava de estar. Junto dele.
Quando chegava a casa, Sara lá estava, à espera que ele a
construisse mais um bocadinho. E, dia após dia, ele ia escrevendo, acrescentando-a.
Devagarinho, como quem tem medo de perder o pé.
Passou a adormecer abraçado a ela todas as noites, sussurando-lhe
histórias que a faziam sorrir. Acordava já de manhã, na solidão inevitável de um apartamento vazio
de gente e de si próprio.
Nunca a ensinou a escrever, apesar de tantas vezes Sara lho
ter pedido. “Não quero que carregues em ti o peso de uma alma perdida em si
própria.”, dizia-lhe, enquanto lhe passava carinhosamente a mão pelo rosto. “
Escrever torna tudo mais claro. Prefiro que vivas na ilusão de ti própria.
Pudesse eu escolher...”.
No Outono, Sara desapareceu. No lugar dela, Gabriel
encontrou apenas uma carta dactilografada. Abriu-a, e leu em voz alta. “Não me
esperes. Fui procurar-me e, se voltar, chegarei certamente antes de mim. Nesse
dia, abraça-me e não me largues nunca mais”. A carta estava pousada em cima da
mesa e estava, estranhamente, assinada por ela.
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