August 24, 2008

Búzios




A velha senhora, de vestes brancas e rosto queimado pelo sol, olhou-me e sorriu. Recolheu os búzios espalhados em cima da mesa e, carinhosamente, estendeu-me as mãos cheias, dizendo: "leve-os, faça deles o que quiser. Oiça o que o Mar lhe diz, mas escreva o seu próprio destino. Sem as mãos, sem a cabeça... só com a Alma".

Cheguei a casa com um bocadinho de ti no meu sorriso*. Sem querer, deixei-me trautear uma música simples (mais ou menos afinada) que agora mora no meu ouvido.


"À espreita está um grande Amor, mas guarda segredo
Vazio tens o teu coração, na ponta do medo.
Vê como os búzios cairam virados p'ra Norte
Pois eu vou mexer no Destino, vou mudar-te a Sorte".



*Porque a Saudade não mata... mas engorda(-se)

August 17, 2008

Dizem por aí...




Foto: Eddie Cowling



... que estás feliz. É com esse pensamento que aprendo a dormir muito melhor quando a noite vem.

Hoje, talvez para calar uma saudade que não pára de crescer, voltei a casa.

Na praia, sentei-me junto ao mar, com os pés enterrados na areia fria e o Brubeck a tocar só para mim uma música com cheiro a oriente. Fechei os olhos e ali fiquei. Onde o vento ainda me sussurra ecos de ti (como que a cantarolar alguma melodia que sei de cor). Onde o Sol ainda me toca, muito ao de leve, como se fosses tu.

Ali fiquei, a sorrir. Porque sonhar nunca fez mal a ninguém... dizem por aí.

Arrumações

[Porque todos nós temos necessidade de fazer umas arrumações de vez em quando...]


Foto: Xavier BAGLIN


Quando chegou a casa, a menina encontrou todos os seus bonequinhos espalhados no chão do quarto.

Num misto de saudosismo e felicidade, recordou todas as histórias que, em segredo, foi construindo, com aquelas figuras. Lembrou as aventuras épicas do Grande Dragão, as desventuras do Princípe Ladrão (no seu Castelo com vista para o mar), o pequeno conto do Pescador Molengão, e todas as outras histórias que lhe foram alimentando a imaginação e preenchendo os dias, vividos e sonhados.

Estava agora na altura de arrumar todas aquelas personagens e cenários que a foram vendo crescer. Em caixas, caixotes, caixinhas, prateleiras... e até em sítios que ainda não foram inventados. Cada um no seu lugar. Para amanhã voltarem a fazer parte das suas histórias... ou apenas para ficarem guardados até "sabe Deus quando".


Deixou o boneco mais bonito para o fim. Pegou nele com o carinho do costume e, com a ajuda do seu banquinho, colocou-o na prateleira mais alta que encontrou. Pelo caminho, deu-lhe um beijo, afagou-lhe a cabeça e disse: "Tu ficas aqui em cima. Vou olhar para ti todas as noites, antes de dormir; E depois sonhar que finalmente aprendes a voar... só para vires cá abaixo dar-me um beijo de boa noite e segurar-me na mão enquanto durmo".

August 01, 2008

No meu Castelo



Escolho a mais escondida cratera da minha Lua... e nela construo o meu castelo. Com os mais densos e resistentes materiais, e seguindo todas as leis da Física que conheço, construo em volta de mim estas paredes inquebráveis, sem portas nem janelas.

E deixo-me ficar. Imóvel. À espera que o tempo faça o seu papel.

Aqui não entram Príncipes Encantados, nem Sapos Amaldiçoados, nem Dragões Azuis...
Aqui, nem o vento me consegue sussurrar como fazia dantes, anunciando baixinho essa verdade desoladora de que o Tempo, sozinho, apenas por passar, nada faz; Que temos de ser nós a fazer alguma coisa com o Tempo, para que ele consiga fazer algo por nós.

É neste vazio do meu Castelo, onde nada acontece e nada mais existe senão eu, que sei que hei-de encontrar-me. Um dia as paredes serão areia... e lá fora há uma Lua imensa à espera de ser descoberta.