[Se a vida nos pede uma canção, brindemos-lhe com um álbum inteiro!]
Calçou uma meia preta e outra azul e saiu, sem rumo. Por uma
vez na vida, Rosa quis saber o que era partir sem direcção, sem saber onde fica
o Norte, o céu, ou o Sul. Esquecer-se que a vida fez de si um conjunto de
regras meticulosamente planeadas e fazer da vida o que a vida quisesse dela
fazer.
Olhou-se ao espelho: boina torta, bota suja. “Perfeito!”,
pensou, “Hoje durmo no chão. Vamos lá ver se a coluna sempre aprende a posição!”.
E saiu, de coração na mão e alma ao vento. Sem destino. Porque ninguém sabe
onde mora a sorte.
Descendo à avenida, lá estava o senhor João. Todas as tardes
fazia o mesmo: ia para a Infante Santo vestido de gala e chamava táxis já
tomados. “Eu já não quero ir a lado nenhum, Menina. Por isso vou chamando só os
que sei que não me levam.”, confessou-lhe um dia, a sair da tasca
lá da rua, mais bebido do que a conta (e sem a querer pagar. Porque “isto não é
conta que se apresente a um homem com o coração onde a dor roça a loucura”).
Nesse dia, ele disse-lhe: “Oh Menina Rosa, escreva o que lhe vou dizer, que
isto até rima. Fazer desenhos de castelos no ar é tão inútil como querer lá
morar. Escreva o que lhe digo...”
Rosa passou por ele, sorriu, e continuou. Passando a paragem,
recordou-se de como tudo começou. “Modernices”, dizia a dona Joaquina, sempre
que a via ali sentada, à espera do 720, a sorrir para um ecran. Lembrou-se do
primeiro encontro, dos assobios que fingiu não ouvir e do olhar mais demorado
que nunca mostrou sentir. Do primeiro beijo, roubado, algures entre o Chiado e
o Bairro Alto. Recordou o momento em que descobriu que, afinal, o amor não anda
às ordens de ninguém, que a paixão não é segura e em que, cedendo, se deu.
Lembrou o dia em que descobriu que estar
cego ao que se sente é um mal que acaba mal e em que, quase em desespero,lhe
confessou “Se o Amor me prendeu, que culpa tenho eu de querer-te desta
maneira?”.
Andou dois quarteirões... e voltou para casa. Pelo mesmo
caminho, ao mesmo ritmo, com passos rigorosamente intervalados em tempo e
espaço. À sua maneira.
A mensagem seguiu para ele por telefone: “entre o mal com
que se conta e o bem que não se defende, há um nós que ninguém entende.” Ele
respondeu rapidamente: “Coração, olha... o que queres que leve para o jantar?”.
Ela sorriu e apressou o passo. Lembrou a reacção espontânea da melhor amiga
quando Rosa lhe falou dele: “Narciso?? Qual é a probabilidade do homem da tua vida
também ter nome de flor?”. Foi então que decidiu: “se for menina... vai
chamar-se Margarida!”.